Por mais amor e menos julgamentos, jovem escreve livro sobre sua relação com o autismo


Por Lucian Haro – 29/04/2021

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Leonardo, que na foto está com a mãe, conta em livro episódios vividos desde a infância e que já mostravam que “não seria só mais um”, como gosta de encarar.| Foto: Arquivo pessoal/Leonardo Kriger

No prólogo de 10 páginas, a psicopedagoga Liziane Pinho Bertolli Kriger não economiza nos sinônimos de alegria para definir o filho. “O Leonardo sempre nos mostrou um lado mais irrequieto, alegre e feliz”, “Quando começou a demonstrar suas emoções, estava sempre sorrindo”, “Sua agitação e alegria eram constantes”, “Uma característica marcante dele é sorrir. E sorrir muito, de tudo e para todos”, são alguns trechos.

O livro autobiográfico “Você sente o que eu sinto?” narra a trajetória do curitibano Leonardo Kriger, de 20 anos, com o autismo. Mas, sob uma ótica diferente: a de quem aceitou a condição e passou a usá-la a seu favor. “Eu passei muito tempo preocupado em agradar aos outros e me encaixar em um padrão pré-estabelecido. Hoje, consigo exaltar mais a minha essência”, diz ele ao Sempre Família.

Aliás, foi contra o preconceito e o cerceamento da espontaneidade de alguém com Asperger que a família sempre lutou. “Não que a gente seja totalmente contra o uso de medicação, mas quer mostrar que com terapia, estímulos constantes e com o amor dos mais próximos, é possível viver bem”, destaca.

“Eu estou aqui para tentar alterar o senso comum de que pessoas com autismo necessitam de um certo sentimento de pena, tomado por parte da população considerada normal. Porque muitos pensam que, teoricamente, essas pessoas não possuem capacidade para desenvolver atividades sociais básicas. Entretanto, nós possuímos sim! Inclusive alguns, como eu, nos sentimos prazerosos quando levamos pessoas ao riso”, evidencia o universitário na publicação.

O despertar
As nuances do desenvolvimento atípico (como não gostar de tirar fotos, chorar nos aniversários e apresentar comportamentos restritivos e repetitivos) foram percebidas desde cedo pela mãe. O diagnóstico, no entanto, só chegou aos 12 anos. “Juntamente com a notícia, vieram o alívio, a incerteza, o medo, o pavor, mas o mais importante não nos faltou: se já o amávamos, a partir daquele dia passamos a amá-lo ainda mais”, enfatiza Liziane.

Em um mundo de incompreensões – tanto internas quanto externas – Leonardo começou, então, uma busca por respostas. Foi aí que descobriu a escrita como ferramenta de transformação. “Para mim, sempre foi muito terapêutico. Tanto que escrevi meu primeiro livro aos 8 anos. Redigir histórias livres e fragmentos de notícias sempre foi algo que me atraiu”, conta.

No livro mais recente, ele narra episódios vividos desde a infância e que já mostravam que “não seria só mais um”. “Normalmente, a aula de Educação Artística é a predileta dos alunos, porém, não era a minha. Sempre necessitava utilizar minhas habilidades para persuadir as professoras a desenvolver minha criatividade usando argila. Argila era o único material com o qual eu demonstrava habilidades”, descreve.

Na sequência dos capítulos, o estudante explica como construiu um trauma por palhaços, fala do tratamento “contraditório” que recebeu de médicos e especialistas, como foi passar um ano morando em Israel, os momentos mais difíceis de dúvidas e questionamentos e de como a ansiedade é algo que, para ele, precisa ser trabalhado.

“Em alguns momentos, a questão da autodúvida, do autoquestionamento, tornava-se muito intensa. Era como se eu estivesse travando um combate com alguém, mas era comigo mesmo. Eis a Síndrome de Asperger acelerando de forma demasiada minha atividade cerebral, deixando-me extremamente ansioso, ao passo de não conseguir permanecer relaxado por muito tempo”, relata.

Vida adulta
De origem judia, o jovem recebeu o nome hebraico de “Lihor Itzhak”, que significa luz para a minha vida, como confirma a mãe. “Ter o Leonardo por perto nos faz enxergar as coisas boas da vida. Qualquer momento ao lado dele é a certeza de risadas, divertimento, muito aprendizado e amor. Se a gente pudesse, recomendaria a todos que tivessem um Leonardo para chamar de seu”, comenta Liziane.

Depois de cumprir algumas disciplinas de Biomedicina, hoje Leonardo cursa a faculdade de Direito e faz estágio em um grande escritório de Advocacia da capital paranaense. “Estou retomando a minha essência”, garante. Uma nova avaliação clínica também trouxe novidades: Leonardo é superdotado. “Vivi como Asperger e, como Asperger, senti todas as dificuldades que eles enfrentam. Por isso, vamos nos amar mais e julgar menos”, defende.

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