Show de meritocracia: brasileira humilde que se formou nos EUA dá exemplo para jovens

Por Cristina Graeml – 26/06/2020

Esta é uma daquelas histórias de encher o coração de esperança e lavar a alma. É inspirada num vídeo que recebi de uma jovem daqui de Curitiba que está morando fora do Brasil – um retrato do que uma sociedade pode colher quando investe na meritocracia, em valorizar as pessoas pelos resultados que apresentam a partir de seu próprio esforço, empenho e dedicação.

Renata Gomes Martins é de família humilde. Anos atrás conseguiu uma bolsa integral para estudar nos Estados Unidos e acaba de se formar em Marketing e Negócios Globais, em plena pandemia. Passou sozinha não só por esse momento assustador que toda a humanidade vive, mas pela etapa de maior ansiedade na vida de um estudante: a conclusão de um curso universitário. Mas continua “em movimento”, ainda que sem poder sair de casa.

A cerimônia de colação de grau não foi nada parecida com aquela que ronda os sonhos de qualquer jovem universitário. Não havia como estar no palco de num auditório junto dos colegas, com as pessoas que mais ama na plateia; receber canudo das mãos do reitor e jogar o capelo para o alto, extravasando a euforia em meio à toda a turma num momento como o atual.

Ainda assim ela encarou, com a alegria dos vitoriosos, a celebração online. Estava dentro de seu próprio quarto, conectada a parentes e amigos aqui do Brasil, vendo seu nome passar na tela da videoconferência organizada pela universidade. Deve ter passado um filme na cabeça dessa jovem enquanto a cerimônia virtual se arrastava! Não foi fácil chegar até ali, houve muito estudo, muitos treinos (ela também é atleta), muita dedicação.

Renata Gomes Martins (de capelo e beca, no canto superior direito, foto da esquerda), conectada à família durante cerimônia de formatura online em 09/05/2020. Print da tela | Arquivo pessoal Renata Martins
Renata Gomes Martins (de capelo e beca, no canto superior direito, foto da esquerda), conectada à família durante cerimônia de formatura online em 09/05/2020. Print da tela | Arquivo pessoal Renata Martins

Logo em seguida Renata teve inspiração para gravar o vídeo mencionado no início do texto, apresentando uma ideia simples que pode ajudar muita gente na mesma situação que ela, formada também durante a pandemia de Covid-19, a conseguir engrenar na carreira, fazendo os primeiros contatos e recebendo orientação de gente experiente.

O projeto é formar uma rede de mentores para jovens como ela, que terminaram os estudos, precisam driblar as dificuldades normais de entrar para o mercado de trabalho, tendo o desafio adicional de estar em isolamento social.

História inspiradora
Depois de assistir ao vídeo fiz questão de conversar com a jovem para entender como chegou aonde está e como se forma uma personalidade que se recusa a ficar parada à espera de que algo aconteça mesmo num momento da vida (e da história da humanidade) em que é tão difícil prever o futuro. Não foi preciso muito para me convencer que estava diante de uma dessas provas cabais de que o esforço abre oportunidades e o conhecimento faz brotar ideias que podem ser transformadoras.

Antes de mostrar o vídeo com a proposta da Renata quero destacar a trajetória dela. Filha de um técnico em comunicações, que começou a trabalhar muito cedo, aos 12 anos, depois de perder o pai e precisar ajudar a mãe a sustentar os irmãos menores, e de uma moça nascida no interior do Paraná, na cidade de Tapira, que se mudou para Curitiba atrás de emprego, trabalhou como digitadora, diarista, recepcionista e atendente. Nenhum dos dois conseguiu realizar o sonho de fazer um curso superior, mas as filhas, sim.

Graças ao estímulo que receberam dos pais e ao esforço que dedicaram aos estudos, Renata e a irmã chegaram à universidade depois de fazer ensino fundamental e médio em escola pública. Não em qualquer escola. Entraram no colégio da Polícia Militar do Paraná, onde filhos de civis precisam conquistar a vaga enfrentando um teste seletivo.

É um colégio que divulga ter como missão, além do ensino em si, despertar nos alunos o espírito de civismo, honestidade, ética – valores necessários a uma boa convivência social – e aqueles exigidos pela própria corporação da Polícia Militar: disciplina, responsabilidade e hierarquia.

A esse compilado de ingredientes foi adicionado, pela família, o estímulo aos estudos e à prática de esportes em busca de uma vida melhor. Aos 8 anos ela entrou para o time de vôlei de uma ONG criada pelo técnico Bernardinho, em Curitiba. Adolescente começou a participar de competições, foi campeã estadual. Destacava-se no esporte, era boa aluna e tinha também características de líder, tanto que tinha sido comandante dos alunos no Colégio da Polícia Militar.

Tudo isso foi valorizado na hora que ela descobriu, através de um treinador, que podia pedir bolsa como atleta numa escola americana para depois seguir fazendo faculdade lá. Detalhe: nessa época ela estudava inglês, mas ainda não dominava o idioma. Pediu a ajuda de uma professora para preencher os formulários de aplicação e conseguiu bolsa integral na Montverde Academy, uma escola-academia do estado da Florida nos EUA.

Com 16 anos, no meio do Ensino Médio, partiu para a cidade de Monteverde para mais dois anos de high school, o ensino médio americano. Depois seguiu como bolsista no College (uma espécie de pré-universitário que não existe no Brasil) e Universidade – tudo com bolsa atlética e acadêmica. Isso se chama meritocracia: não ficar esperando que passem a mão na nossa cabeça e que tudo venha de forma fácil, mas conquistar o que se quer à base de esforço.

Como eu disse no começo do texto, a Renata acabou de se graduar na University of South Florida, na cidade de Tampa, onde cursou Negócios Globais e Marketing. Está trabalhando já que o visto que tem permite esticar a estada no país (e trabalhar) por até um ano após a formatura. Mas como se inicia no marketing e se pensa em negócios globais sem experiência profissional e praticamente sem poder sair de casa?

Projeto mentores voluntários para recém-formados
Chegamos à ideia que a jovem apresenta no vídeo: a rede de mentores voluntários. Talvez você mesmo ou alguém que conheça encontre aí uma inspiração e possa abraçar essa causa. O vídeo está no topo da página, bem no fim da minha fala explicando tudo o que você acaba de ler. É uma segunda versão, em português, gravada a meu pedido.

Faço questão de trazer para os leitores desta coluna o vídeo original (abaixo), em inglês e legendado, que chegou para mim logo após a formatura da Renata, em maio.

Detalhe adicional que descobri durante a entrevista com ela e que deixa a história ainda mais inspiradora. Esse vídeo foi gravado quando a cidade de Tampa, onde ela mora, ainda estava em lockdown por causa da pandemia. O cenário é a parede do quarto da Renata, forrada de papéis com muita coisa escrita. Material de estudo!

Renata Gomes diante da parede com anotações para estudo no quarto. Tampa, Florida-EUA | Arquivo pessoal
Renata Gomes diante da parede com anotações para estudo no quarto. Tampa, Florida-EUA | Arquivo pessoal


“Minha parede é minha forma de estudar”, diz Renata em entrevista


“Gostaria de compartilhar uma história que dá um pouco mais de contexto sobre a significância da parede atrás do vídeo”, disse Renata ao responder minhas perguntas por escrito. “Depois de vir estudar nos Estados Unidos, finalmente entendi como me tornar uma aluna nota 10. Descobri que cada indivíduo possui e apresenta um jeito próprio de aprender. Dentre eles, físico, intrapessoal, interpessoal, verbal, matemático, musical, e visual. Como sou uma aprendiz visual, minha parede é minha forma de estudar. Cada semestre, ela fica de um jeito diferente.”

“Também aprendi os porquês. O porquê de estudar, de ir à escola, de aprender coisas que parecem desnecessárias em nossas vidas. Esses novos aprendizados mudaram minha perspectiva sobre a importância que devemos dar à oportunidade de estudar. Se queremos consertar o mundo através da educação, acredito que o primeiro passo é ensinar o valor e a importância do estudo para as pessoas que já têm a oportunidade de ir à escola.”

“Queria compartilhar essa mensagem com essas crianças. Queria ser uma imagem para eles, uma palavra que eu gostaria de ter ouvido naquela mesma idade. Queria passar para eles a mesma importância nos estudos que meus pais deram, contar que podem ser o que quiserem e podem ir muito longe se houver esforço.”

É o que sempre digo quando tenho a oportunidade de conversar com crianças em ambiente escolar. Esqueça aquela frase repetida à exaustão de que tem que estudar para ser alguém na vida. Não é isso que a Educação proporciona e sim, a liberdade de escolha. Estude para ser o que você quiser na vida! Renata escolheu inspirar pessoas a serem mentoras de outras, porque ela própria já trilha esse caminho.

“Essa missão de ser ‘mentora’ começou quando tomei consciência das diferentes formas de aprender, e meu primeiro passo foi criar a parede. Então, por isso, quis usá-la como background ao gravar esta mensagem que está no meu coração.”

Renata Gomes Martins

A quem interessar possa, a Renata está nas redes sociais, onde ela já postou o vídeo em português. É só procurar pelo Instagram @renata_gomesmartins ou por Renata Gomes Martins, no Facebook e LinkedIn.

Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/cristina-graeml/show-de-meritocracia-brasileira-humilde-que-se-formou-nos-eua-da-exemplo-para-jovens/
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